Giu Domingues fala sobre “Canção e Ossos” e representatividade queer

Autora do sucesso “Luzes do Norte”, Giu Domingues fala sobre “Canção e Ossos” e representatividade queer nos livros e editoras. Aliás, a autora de fantasias sáficas conta ao Manual Geek sobre o processo de construir a narrativa do livro e próximos projetos. Confira abaixo a entrevista completa!
Veja também- Canção de Ossos: E se “O Fantasma da Ópera” fosse sáfico?
Qual é a sua relação com os livros? Você sempre quis ser escritora?
Eu sou filha única e eu era uma criança muito esquisita, então não tinha muitos amigos. Sempre fui uma criança de imaginação muito fértil e ativa e os livros eram o meu refúgio, eram onde eu me sentia bem, eram os meus amigos. Eu passava muitas vezes o recreio sozinha, sentada na biblioteca lendo, então eu tenho memórias de livros que ficava lendo, pequinininha, muitas vezes eu pedia para o meu pai ou a minha mãe ler para mim. Então, a minha relação com os livros sempre foi uma relação de leitora e logo que eu comecei a ler muito, também comecei a fazer minhas próprias histórias.
Então, logo na primeira série, eu tinha um quadrinho que eu densenhava com uma única amiga que tinha, na época, e isso sempre foi algo presente para mim. Um espace de um mundo que muitas vezes eu não me enxergava. Então, a minha relação com os livros é de muito carinho e a escrita foi uma válvula de espace natural. Tipo, se eu tava triste, eu escrevia. Se eu estava feliz, eu escrevia.
Vamos falar sobre Canção e Ossos: Quais elementos específicos de O Fantasma da Ópera foram mais impactantes para você ao conceber o livro?
Canção e Ossos é uma releitura sáfica de O Fantasma da Ópera e isso era uma responsabilidade muito grande para mim, porque eu gosto muito da história, tanto como livro como musical. Então, eu queria fazer jus a obra que eu gostava tanto. Eu sabia que tinha que ser uma história gótica e quando a gente fala a respeito, sabemos que tem um peso de um passado, uma presença quase opressiva de um monstro, trata dessa figura monstruosa da sociedade do que é belo e o grotesco, tem uma ambientação sombria. Tudo isso eu queria trazer e que fosse uma releitura sáfica.
Mas, eu não queria, simplesmente, trocar os personagens principais por mulheres e pronto, era muito importante explorar temas que , na minha opinião, não tinham sido explorados na obra principal. E eu sentia que a obra tratava deles, mas não ia a fundo, como a dualidade do ser, relações tóxicas, ambição e raiva feminina.
Como foi o processo de utilizar o gênero fantasia para recontar uma narrativa originalmente ambientada no realismo gótico parisiense?
Foi muito tranquilo, porque a parte fantástica já está presente na história. De certa forma, você já tem uma ambientação muito ambígua. Você não sabe, no começo, se o fantasma é um cara que está fazendo coisas horríveis ou se é um espectro. Obviamente, ao longo da história, isso vai se revelando e você vai entendendo as motivações. Mas, para mim, eu peguei isso e falei que não, que é mágico. E esse mundo mágico foi uma coisa que criei da minha própria cabeça em que a magia vem da música.
Então, isso tava muito misturado e claro, porque o gótico tem um elemento sobrenatural que muitas vezes é simbólico e, ás vezes, literal. E eu só trouxe para o literal. Por exemplo, quando se fala O Fantasma da Ópera ou O Corcunda de Notre Dame, eles não tem o elemento sobrenatural. Mas, quando se fala de Drácula, tem o elemento sobrenatural. Então, existem obras que transitam entre esses mundos.
A ambientação de Canção e Ossos é descrita como profundamente atmosférica. Que referências – literárias ou extraliterárias – você utilizou para compor esse cenário?
As referências estéticas que eu tinha eram muito além da França do século XIX. Então, o mundo imperial russo que, esteticamente, queria trazer e outras obras que se passam nessa época. Então, tem as gárgulas do Corcunda de Notre Dame,uma cada de show que é inspirada no Moulin Rouge. Então, eu trouxe várias dessas referências que eram bem essenciais.
Você considera que há uma lacuna ainda significativa na fantasia brasileira no que diz respeito à representatividade queer? Em que medida sua obra busca ocupar esse espaço?
Não, o que eu acho que falta é que essas obras que tem a representatividade estejam em grandes casas editoriais e elas vendam o equivalente ao volume de vendas referentes ao não queer. Mas, se você procurar, especialmente na literatura independente, você tem muito disso. Não falta, o que falta é a gente, como leitor, a ir atrás dessas histórias. Se você ver a lista de mais vendidos, você vai ver nomes que são figurinhas carimbadas, como Coolen Hoover, Crepúsculo, você vai ler livros que são repetidos. Não tem nada de errado com esses livros, mas toda vez que algúem me fala que queria ler fantasia LGBTQUIAP+ e falam que não tem, não é que não tenha, a gente precisa procurar mais.
E aí que eu acho que é muito importante de darmos vozes a essas narrativas marginalizadas e, de fato, fazer um esforço para buscá-las. E quando a gente acha uma obra que a gente gosta, falar sobre ela, porque, aí eu falo mesmo pelo meu livro, que está numa grande casa editorial e tem todo aparato da Galera Record, uma editora maravilhosa, que ainda assim tem mais dificuldade de furar a bolha do que, por exemplo, de uma autora da mesma casa. Quando a gente gosta de algum livro, precisamos falar sobre, principalmente, se for com representatividade sáfica ou LGBTQUIAPN+.
Se você tivesse que escolher uma música para representar Canção e Ossos, qual seria?
Look what you made me do, da Taylor Swifit.
Qual seria o livro que você rescreveria o final?
O terceiro de “Sombras e Ossos” de Leigh Bardugo, não gostei do jeito que terminou o livro.
Qual gênero literário que você acha que não combina com você e nem tem vontade de escrever?
Ficção cristã.
Tem alguma mania de autora ou leitora?
De leitora, eu tenho uma terrível, tenho vários marcadores de página em casa e não uso nenhum, eu dobro da página do livro, até dos meus.
E para encerrarmos, quais são seus próximos projetos?
Tem livro novo vindo esse ano, que se passa num faroeste sáfico mágico e tem tudo, é um grande novelão. Tem famílias em guerra, uma vaqueira e uma pistoleira que se transforma em cavalo. Dramas familiares, maldição, lobisomem, tudo. E é extremamente brasileiro, diferente de tudo que já escrevi, é uma comédia e espero que as pessoas gostem.



