Se a Netflix queria atenção em tempos de quarentena ela conseguiu com o recente e polêmico filme, tanto que se encontra em primeiro lugar do ranking de mais populares. “365 DNI”, ou 365 Dias, é um filme polonês, adaptado do livro homônimo de Blanka Lipinska, é descrito como uma a resposta polonesa ao hit 50 Tons de Cinza.
Dirigido por Barbara Bialowas e Tomasz Mandes, a trama segue a jovem Laura (Anna-Maria Sieklucka), que está de férias na Itália. Porém, tudo sai errado e ela é sequestrada na Sicília. Massimo (Michele Morrone), o sequestrador, é o jovem líder da máfia italiana e tenta fazer Laura se apaixonar por ele em 365 dias.
A cada dia que passa, o longa traz mais críticas negativas, a tal ponto que o filme acumula o temido 0% de aprovação no Rotten Tomatoes, algo difícil de conseguir.
Mas afinal, por que tanta repercussão e polêmica?!
Em primeiro lugar, é preciso comentar que a estrutura cinematográfica é bastante desconexa e ainda inclui elementos fracos como as elipses temporais e de espaço, ostensivamente, para encurtar cenas e o uso da música para preencher os buracos e as transições.
No entanto, a questão problemática é devido ao enredo como um todo, no qual tenta maquiar a loucura por trás de rostos bonitos e paisagens paradisíacas. Movido por uma obsessão doentia, o mafioso roda o mundo a sua procura e, quando finalmente encontra, decide que a melhor forma de conquistar seu amor é usando de entorpecentes para dopá-la e prendê-la em sua casa. Ao despertar em uma cama tão luxuosa quanto desconhecida, Laura tenta fugir, mas é impedida pelo sequestrador, que lhe impõe uma proposta (se é que se pode chamar assim, já que ele não lhe dá outra opção): ela tem 365 dias para se apaixonar por ele, se ao final deste tempo nada mudar, pode partir.
Além do mínimo de responsabilidade social esperado, o filme distorce qualquer conceito de consentimento. Massimo, por diversas vezes, alerta à Laura que não fará nada que ela não permita — com exceção, é claro, de mantê-la como uma espécie de propriedade, com direito a ações violentas e toques inapropriados, até que atenda aos seus desejos doentios. Se o rapto, por si só, já é problemático para inviabilizar qualquer coisa que se segue.
Apesar de resistir no começo, Laura acaba desenvolvendo sentimentos amorosos por Massimo e assim o longa passa a romantizar o fato de um criminoso ter sequestrado uma mulher para satisfazer as próprias vontades. Incluindo que o passado de Massimo é retratado com alguns pontos tristes, tentando justificar suas ações no presente com base nos traumas que ele sofreu, no qual, definitivamente, não é um conceito saudável para passar ao público.
É preciso ressaltar que drogar mulheres, mantê-las em cativeiro e tocá-las sem o seu consentimento não é romântico, mesmo quando se é dono de um corpo escultural e milhões no banco. Em tempos em que se tenta, a todo custo, educar mulheres para reconhecer abusos, é lamentável que um filme naturalize de maneira tão grotesca tudo o que se vêm tentando combater. Não há romance em um sequestro, e não há beleza no abuso, mesmo que o cativeiro sejam ilhas paradisíacas.
Sendo assim…
“365 days” acaba indo mais fundo ao romantizar o assédio e aplaudir um protagonista predador sexual. A situação é tão complicada e irresponsável que a sensação é de estar assistindo uma visão completamente machista e fetichista de um mundo ao avesso de tudo que o cinema e, principalmente, as mulheres buscaram corrigir nos últimos anos. Sendo que tenta ser um blockbuster e se fortalece de polêmicas para atrair curiosos.E, se o intuito era excitar o espectador que busca uma “aventura sensual”, pode ter certeza de que o resultado é frustrado.