Diante de uma oportunidade de ser uma obra com crítica forte, “Uma Garota de muita Sorte” tenta ser um filme marcante da Netflix. Apostando em uma zona cinzenta entre o drama e o suspense psicológico, o longa fracassa tanto por sua impotência dramática quanto pela promessa de um plot twist sombrio que nunca de fato chega. A adaptação do livro homônimo de Jessica Knoll desperdiça a oportunidade de trazer pautas sensíveis e atuais. Só entrega apenas uma sequência de clichês, seguidos por uma conclusão simplista. Mas vamos ver isso, em detalhes:
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Analisando o enredo:
Em primeiro lugar, “Uma Garota de muita Sorte” traz abordagens interessantes no começo. Na pele de Ani FaNelli, Mila Kunis vive uma mulher que parece ter tudo: o noivo bem-sucedido de uma família fluente, a carreira em ascensão para o cargo de seus sonhos, e uma vida confortável. No entanto, nada disso é suficiente para fazê-la esquecer dos traumas de seu passado, aos poucos introduzidos na trama na forma de flashbacks de sua adolescência.
A princípio, somos apresentados a duas versões da protagonista. Sendo que uma delas em seus monólogos que conduzem o enredo, angustiada, arredia e obcecada com o sucesso. E a outra em sua persona pública que sempre sabe o que fazer e dizer para cumprir as expectativas de todos à sua volta. Quando é abordada por um documentarista interessado em ouvi-la como uma das poucas sobreviventes de um fatal tiroteio escolar, Ani começa aos poucos a confrontar sua própria história. Revisitando as memórias conturbadas dos episódios de sua adolescência que definiram sua personalidade fraturada.
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Tentando mesclar com a realidade:
Mesmo que tenhamos assuntos como uma sobrevivente de violência sexual, o longa desliza ao incorporar uma variedade de graves e urgentes questões de nosso tempo, mas sem apresentar profundidade. Controle de armamentos, preconceitos sociais e bullying nas escolas são alguns dos temas levantados, todos amarrados pela solidão e o desamparo compartilhados por vítimas que não encontram a quem recorrer.
Não há como negar o mérito de toda e qualquer iniciativa que rompa o silêncio e desnaturalize as contínuas violências que atravessam a vida de sobreviventes como a da personagem de Kunis. Contudo, há de se reconhecer que “Uma Garota de muita Sorte” o faz de forma maçante e pouco original. Jamais entregando o aguardado plot twist que parece estar anunciado desde o início, o longa parece assumir que a libertação de Ani pelo enfrentamento de seu abusador não passa de uma questão de resiliência. E ignorando os privilégios conquistados pela protagonista em sua vida adulta e reforçando perspectivas tradicionais de gênero.
E quanto as atuações:
Se existe algo positivo na obra, com certeza, é a atuação de Mila Kunis. Aliás, a atriz está espetacular em seu papel como uma mulher que vive de aparências na tentativa de esquecer aquilo que a machuca e é a partir de um casamento que ela deixará de ser a “bolsista”. Com um sobrenome novo não será reconhecida como a “sobrevivente” de um massacre e ao subir de cargo, será respeitada pelo status de poder que possuirá. E é claro que, ao longo da narrativa, sua postura vai alternando para enfrentar seus monstros internos. Dessa forma, construindo bem a evolução da personagem.
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Conclusão:
Apesar do louvável esforço de Kunis na construção da personagem, não foi suficiente para salvar “Uma Garota de muita Sorte”. Desperdiçando o potencial do clima de suspense e fúria introduzido a conta-gotas na história, se a produção render bons resultados no catálogo será apenas às custas de uma temática provocativa, embora fatalmente mal abordada. Seja por falta de coragem, ou de sorte.