Diversidade ainda não é o ponto forte de Hollywood. Pode ser difícil, mas acredite nas estrelas do cinema que pedem por mais diversidade nas telonas. E no que diz respeito à raça/etnia, especificamente, a indústria cinematográfica ainda possui um longo trabalho pela frente. Segundo um estudo realizado pela Escola Annenberg de Comunicação e Jornalismo, da Universidade do Sul da Califórnia (USC), que analisou os 700 filmes campeões de bilheteria lançados entre 2007 e 2014, constatou que brancos representam 73% de todos os personagens no cinema, enquanto negros foram apenas 12,5% deles, latinos foram 4,9%, 5,3% eram asiáticos, 2,9% do Oriente Médio e menos de 1% eram índios nativos americanos. E atrás das câmeras, os números também são decepcionantes.
Para essa repercussão, a expressão “whitewashing” (em inglês, “white” é branco e “washing” é limpeza) foi mais analisada e utilizada do que nunca para criticar diversas produções hollywoodianas. Essa prática antiga e recorrente da sétima arte consiste em escalar um elenco de atrizes e atores brancos para papéis de raça, cor ou etnia diferentes. Durante muito tempo, o cinema americano fez uso de tinta para transformar atrizes e atores brancos em personagens – geralmente exagerados, burlescos e carregados de estereótipos – negros ou asiáticos. O truque de maquiar atores, que ganhou o nome de blackface (cara preta) e yellowface (cara amarela), perdeu força na segunda metade do século 20. O personagem negro interpretado por Al Jolson no musical “O cantor de Jazz” (1927) e o caricato japonês Sr. Yunioshi, feito pelo americano Mickey Rooney em “Bonequinha de Luxo” (1961), são exemplos de whitewashing.
A verdade é que as raízes do preconceito racial estão fincadas na prática da escravidão e essa já acompanha a nossa sociedade desde a antiguidade, colocando sempre as outras raças e povos em posições inferiores a dos brancos. Essa visão de mundo foi transmitida de geração em geração e criou uma realidade deturpada onde se defendia que apenas a alta sociedade – majoritariamente branca – consumia cultura, justificando essa ideia de que “o consumo é maior quando as estrelas são brancas” e impedindo tanto a participação, quanto a representação fiel de uma parcela da população na produção artística.
Parte das explicações de membros da cinematografia sobre a recorrência desse tipo de prática, pelo lado de quem produz filmes e séries nos EUA, recai sobre a dificuldade de se encontrar atrizes e atores para os papéis. Outra parte dos profissionais endereça a culpa à indústria e sua forma de financiamento. Sendo que existem diversos trabalhadores ao redor do mundo buscando crescer na carreira, mas são sempre rejeitados devido a sua etnia e raça. Em uma matéria da BBC ,em 2015, conta que 94% dos executivos de cinema eram brancos e que pessoas não brancas estavam sub-representadas como cineastas e atores, sendo que os mesmos acreditam que os atores brancos atraem mais público e maximizam os lucros. Isso é, nitidamente, uma desculpa já que existem diversos membros de elenco que fizeram história no cinema e que não são brancos ou de outras etnias, como Will Smith, Jackie Chan, Viola Davis e Denzel Washington.
Duas adaptações americanas para animes/mangás impulsionaram o debate sobre o “whitewashing” nos últimos tempos: A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell, versão de O Fantasma do Futuro, e Death Note, longa da Netflix que é uma versão americana repleta de liberdades criativas da cultuada série animada de mesmo nome, mas que tirou totalmente a essência da obra. No caso de Ghost in the Shell, a controvérsia na escalação de Scarlett Johansson para o papel principal foi tão grande que a Paramount teria assumido que isso prejudicou o desempenho do filme nas bilheterias e com a crítica.
Ao mesmo tempo, os grandes estúdios não percebem que estão perdendo uma parcela do público que se preocupa com a sua representação. O whitewashing gera discussões cada vez maiores, a repercussão negativa viaja pela mídias digitais e algumas pessoas usam isso como base para ignorar um lançamento de grande porte. Um exemplo a ser citado é o filme “O Preço da Coragem” , com Angelina Jolie que entregou uma performance incrível neste drama baseado em uma história real sobre uma mulher que teve o marido sequestrado por terroristas. A atriz chegou a receber indicações no Globo de Ouro e SAG Awards. O problema é que ela jamais deveria ter sido escalada para o papel de Mariane Pearl, uma mulher negra nascida na França, com ascendência cubana, chinesa e holandesa. O esforço da produção para fazer Jolie parecer com Pearl, incluindo a maquiagem e os penteados afro, nada mais são do que o velho blackface em pleno século XXI.
Houve uma época em que os brancos eram a única parcela da sociedade que tinham acesso à cultura dessa forma, mas as coisas não são mais assim. Se antes a presença de grandes artistas brancos era sinônimo de sucesso, hoje a ausência de minorias (pode incluir mulheres e homossexuais nessa conta) representadas da forma devida pesa bastante contra o longa. As pessoas querem e precisam se enxergar dentro do filme sem ter que sonhar em ser o branco de sucesso.
Os grandes estúdios precisam entender que a diversidade é uma peça chave para o momento que o entretenimento vive. As pessoas querem ser vistas nos produtos que consomem e o caminho para isso está em reciclar a mente. Grandes escritórios de publicidade e todas as outras empresas ligadas ao ramo cultural precisam abrir as portas para que mais mulheres, negros, asiáticos, indígenas possam atuar, escrever roteiros e dirigir coisas. Para que eles possam, acima de tudo, mostrar o mundo por outros pontos de vista e tirar a indústria dessa mesmice cafona. Isso permite que paradigmas sejam quebrados, formatos experimentados e novos sucessos (às vezes improváveis) encontrados. Um filme como Moonlight,vencedor do Oscar de Melhor Filme de 2017, pode ajudar os chefões a enxergarem a nossa nova realidade e perceber que nenhuma dessas mudanças vai acabar com os lucros e negócios deles.
Mesmo em casos menos gritantes e vulgares, o whitewashing persiste e representa um empecilho a uma maior diversidade na representação da experiência humana na sétima arte. A luta para essa expressão acabar ainda continua e será longa e difícil, mas enquanto houver vozes e determinação.