Resenha: Ligeiramente fora de órbita, de Pedro Aguilera

Lançado pela Rocco, Ligeiramente Fora da Órbita traz uma ficção científica com um mergulho convincente nas tensões humanas que habitam o desconhecido. Afinal, Pedro Aguilera já tem histórico com o gênero no audiovisual e, agora, para a literatura. Por isso, vamos falar sobre Ligeiramente Fora da Órbita:
Além de uma ficção científica:
Ligeiramente Fora da Órbita, de Pedro Aguilera, é mais do que um thriller espacial. Na verdade, é um mergulho convincente nas tensões humanas que habitam o desconhecido, sob a lente da ficção científica, mas com o calor da intimidade e da política pessoal. Aguilera, cujos trabalhos anteriores em audiovisual já demonstravam apuro narrativo e interesse pelos dilemas éticos e sociais (como em 3% e Onisciente), dá um salto estilístico importante aqui, atravessando os astros mas retornando ao humano.
Desde o início, somos apresentados a Rebeca, protagonista que carrega consigo uma ambição antiga (ser astronauta) e que, apesar das várias portas fechadas, não desiste de encontrar um lugar nas estrelas. Essa protagonista tem uma força dupla: de um lado, a perseverança de quem sonha alto; de outro, a perspicácia de quem entende que nem tudo é transparente quando se trata de poder, política, da burocracia da base, do jogo institucional. Rebeca não é uma heroína perfeita, tampouco uma vítima. Aliás, ela é uma profissional competente, alguém que conhece o sistema mas também compreende seus limites, capaz de articular estratégias para se infiltrar numa missão que pode ser sua chance de transcendência, mas que logo se mostrará cheia de armadilhas.
Investigação e determinação com espaço:
A ambientação espacial é usada de forma eficiente. A estação orbital, a Terceira Estação Espacial Internacional, é ao mesmo tempo símbolo do avanço científico, do ideal de exploração humana, mas também de isolamento, confinamento e fragilidade humana. As pequenas falhas nos experimentos, relatórios pouco claros, o desvio de órbita: tudo isso vai criando uma atmosfera quase claustrofóbica, onde o peso do desconhecido cresce.
Uma das grandes forças do livro está nessa combinação entre suspense investigativo e ficção científica. Não no sentido de tecnologias ultraexóticas. Porém, no uso do espaço como cenário de distanciamento: lá em cima, longe da Terra, sem contato direto, sujeitos a condições extremas, nossas inseguranças humanas se evidenciam de maneira mais cruel e dramática. Aguilera consegue equilibrar isso de forma sólida, evitando delírios irreais de hard sci-fi, mas também insuficiências técnicas ou explicações pobres. A missão se torna uma lente para observar poder, responsabilidade, sigilo institucional, medo, identidade.

Uma missão com questão atuais:
Outro ponto de destaque é a escrita. Aguilera demonstra domínio narrativo: ritmo adequado, alternância entre momentos de descrição atmosférica, e cenas de diálogo ou descoberta que aceleram o pulso do leitor. Ele consegue dosar bem os momentos de suspense com pausas que permitem reflexão, sobre ambição, sobre falha, sobre o que somos quando não estamos sob luz direta, literalmente.
No aspecto temático, Ligeiramente Fora da Órbita dialoga com diversas questões contemporâneas: a ambição humana de ultrapassar limites (científicos, espaciais), mas também os limites éticos dessa ambição. Desde estruturas de poder como as falhas humanas que podem comprometer empreendimentos grandiosos. Rebeca, em sua jornada, torna-se mediadora entre o microscópio institucional e a vastidão do espaço. Ambas esferas cheias de tubos, de painéis, de gráficos, mas também de vazios e silêncios.
Vale a pena ler Ligeiramente Fora da Órbita?
Em suma, Ligeiramente Fora da Órbita consegue unir suspense, ética e espaço como espelho das complexidades humanas. Para quem gosta de histórias que desafiem o espectro entre ciência, política e emoção, este livro entrega uma viagem memorável, tanto literal quanto metaforicamente, entre as estrelas, os segredos e as próprias fraquezas que orbitam dentro de cada um de nós.




