Com toda a certeza, um dos principais nomes da Bienal do Livro 2021 é o autor do gênero young adult, Felipe Cabral. Responsável pela obra ” O Primeiro Beijo de Romeu”, suas fortes palavras à favor da liberdade de expressão e representatividade tem chamado atenção, durante o evento. Sendo que a obra traz assuntos reflexivos sobre nossa atualidade. Em entrevista ao Manual Geek, Felipe Cabral conta mais sobre sua carreia e sensação de estar presente no maior evento literário do país:
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Como está se sentindo nessa Bienal?
Parece que estou vivendo em um livro, uma história que começou em 2019 onde eu estava aqui, nesse galpão, querendo celebrar os autores lgbtqia+ e de repente fomos atropelados por uma tentativa de censura. Um momento muito tenso de encarar, uma censura de uma coisa que para a gente era uma coisa só de ditadura de anos a trás. Uma coisa antidemocrática, pesada, e de repente as minhas mesas com aqueles autores viraram mesas de resistência. Foi tudo muito espontâneo, os autores abriram mão de assinarem seus livros e saíram marchando por aqui gritando. Quando eu lembro eu fico “Meu Deus, será que aquilo aconteceu mesmo?”
Dois anos depois, voltar para Bienal lançando meu livro, que é uma conquista muito pessoal e profissional, já seria muito legal. Mas é um livro com um beijo gay na capa e a editora abraçou tanto essa ideia que colocou essa parede com esse beijo estampado e a hastag #nãovaitercensura… Então eu falo, ótimo porque é muito maior que o meu livro, é muito maior que esse beijo, é sobre nossas histórias. Então eu sinto que é um marco muito feliz de poder voltar e ver isso acontecendo.
Como foi o processo de criação da capa?
A capa foi uma ideia minha e da Rafaella Machado, que é minha editora da Galera Record. Quando a gente começou a falar “e a capa?” , falei “ah amiga, eu gostaria que fosse um beijo” e ela “pra mim tem que ser um beijo”, então fechou. A decisão foi muito rápida que até me surpreendeu positivamente, porque quando eu fiz “totalmente demais”, “bom sucesso”, as novelas das 7 da Globo, a questão do beijo no audiovisual na tv aberta é muito negociada. Ela vai ter, mas como vai ser, grava tantas versões e nunca é uma coisa natural.
Então quando a Rafa e eu batemos o martelo que ia ser isso, ela me pediu indicações de ilustradores. E como tem vários personagens que são negros na minha história e eu sou um autor branco pra mim era muito importante que durante o processos criativo, e durante a revisão, de tudo do livro, tivesse outras pessoas lgbtqia+ e também outras pessoas negras. Eu queria esses olhares e trazer todo mundo para dentro dessa história. Então eu falei “Rafa eu vou pesquisar ilustradores lgbts negros”. Cheguei no Johnatan Marques, o Johncito, e eu fiquei apaixonado pelo trabalho dele. Ele tem na página dele, (@eusolhossaocastanhos) várias ilustrações de beijos, beijos gays, lésbicos e falei perfeito. Porque qualquer pessoa que vá atrás do trabalho dele vai ver que o trabalho dele já é assim. Convidamos ele, ele aceitou na hora, fizemos a capa…
Para mim, uma das questões das pessoas olharem e querem me matar, censurar, entrar com alguma loucura.. então essa questão dos homofóbicos me preocupa no lugar da violência. Mas ao mesmo tempo eles que lidem com isso. Por outro lado, para as pessoas que não podem comprar, eu falei com a Rafa que se alguém nunca fizer isso, esse argumento sempre vai existir, que é “mas e quem não pode comprar, mas quem tá dentro do armário” e eu falei “Rafa essa pessoa talvez não pode comprar agora, mas o fato dela chegar em uma livraria e ter esse livro ali é um marco para ela”. Ela vai se ver pela primeira vez na capa, vai olhar e falar “caraca tem um livro assim!”.
Você acredita que daqui para frente o que nos estamos vendo aqui foi um grande marco para o gênero Young adult lgbtqia+? O que você vê para o futuro relacionado a isso?
Eu acho muito legal esse crescimento do gênero, porque eu estou com 35 anos e quando eu tinha 15 não tinha essas referências literárias de tantos livros com protagonistas adolescentes com questão de escola, primeiro amor, saída do armário, bullying, isso não existia. E hoje, no mundo, esses livros já existem e já existe uma geração muito nova que lê esses livros, já consome e que se identificam. Então já vai crescer pessoas muito mais saudáveis e com uma autoestima maior. O que não tem ainda são grandes editoras abraçando autores trans no gênero Young adult nacional.
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Quais são as suas inspirações?
Quem me inspira são as pessoas que usam da arte para querer mudar o mundo. Então eu leio Jean Wyllys, que fez a orelha do livro, eu falo “Cara ele está exilado do pais para não matarem ele e ele está escrevendo livro e esta batalhando pela nossa democracia“. Tem Caio Fernando Abreu, Cazuza, Herbert Daniel, João Silvério Trevisan, a Renata Carvalho, que já foi censurada, Renan Quinalha, que está resgatando todo o movimento lgbtqia+. As minhas referências quando eu olho, James Baldwin, quando lendo fico, nossa que inteligente ele era. Eu ainda fico bebendo das referências que vieram antes de mim, são pessoas que eu acho incríveis que abriram muitas portas para gente estar aqui hoje. Eu me sinto seguindo muito a luta que já existe.