Ao demonstrar para Hollywood o potencial de um cinema negro junto ao público amplo, Spike Lee saiu da condição duplamente marginalizada de cineasta independente e negro, fazendo dos black films parte da grande indústria do cinema americano. Após o sucesso do seu primeiro lançamento comercial, a comédia Ela quer tudo (She’s Gotta Have It, 1986), que marcou também a estreia de Spike Lee como ator, ele abriu a sua produtora – 40 acres and a Mule Filmworks (o nome é inspirado em uma promessa não cumprida que políticos fizeram a escravos recém-liberados depois da Guerra Civil americana).
Um período de intensa criatividade veio a seguir, com filmes como Faça a coisa certa (1989), Mais e melhores blues (1990), Malcolm X (1992) e Febre na selva (1991), colocando o diretor entre os grandes nomes do cinema mundial. Surpreendentemente, mesmo tendo alcançado a condição de um cineasta mainstream, Spike Lee nunca deixou de considerar a si mesmo um cineasta negro e independente. Com A hora do show (2001), uma crítica feroz à forma como Hollywood e a TV dos Estados Unidos tratavam os negros, ele consolidou definitivamente a sua posição como um dos grandes realizadores do século. Spike já trabalhou com diversas estrelas e gosta de repetir no elenco de seus filmes nomes, como Denzel Washington (que encarnou Malcolm X), John Turturro, Samuel L. Jackson e Michael Imperioli. Em 2016, Lee ganhou um Oscar Honorário mas não foi à cerimônia para marcar sua posição em um momento em que se discutia a falta de indicações de pessoas negras ao prêmio.
Uma curiosidade: ’Acorde!’, essa expressão está presente em quase todos os filmes de Spike Lee. É um chamado para a ação, para a ruptura de um comportamento padronizado, geralmente declamado por um personagem secundário para o personagem central, frequentemente em uma visão subjetiva: o ator olha para a câmera e fala ‘Acorde!’ para a plateia do cinema.
Spike Lee também é, antes de tudo, um cineasta com incrível domínio técnico, grande sensibilidade na direção de atores e enorme respeito à palavra. Seus primeiros filmes já se tornaram clássicos do cinema que merecem ser (re)assistidos e novamente discutidos. Um raro exemplo de um diretor que conservou enorme vigor e ousadia através das décadas, transcendendo o título de representante de um cinema negro e se tornando um dos grandes de nossa época.
Quer conhecer seus principais filmes? Eis aqui 3 filmes para serem analisados e comentados:
1.Malcom X:
Biografia do famoso líder afro-americano (Denzel Washington) que teve o pai, um pastor, assassinado pela Klu Klux Klan e sua mãe internada por insanidade. Ele foi um malandro de rua e enquanto esteve preso descobriu o islamismo. Malcolm faz sua conversão religiosa como um discípulo messiânico de Elijah Mohammed (Al Freeman Jr.). Ele se torna um fervoroso orador do movimento e se casa com Betty Shabazz (Angela Bassett). Malcolm X ora uma doutrina de ódio contra o homem branco até que, anos mais tarde, quando fez uma peregrinação à Meca abranda suas convicções. Foi nesta época que se converteu ao original islamismo e se tornou um “Sunni Muslim”, mudando o nome para El-Hajj Malik Al-Shabazz, mas o esforço de quebrar o rígido dogma da Nação Islã teve trágicos resultados.
2. Faça a coisa certa:
Sal (Danny Aiello), um ítalo-americano, é dono de uma pizzaria em Bedford-Stuyvesant, Brooklyn. Com predominância de negros e latinos, é uma das áreas mais pobres de Nova York. Ele é um cara boa praça, que comanda a pizzaria juntamente com Vito (Richard Edson) e Pino (John Turturro), seus filhos, além de ser ajudado por Mookie (Spike Lee). Sal decora seu estabelecimento com fotografias de ídolos ítalo-americanos dos esportes e do cinema, o que desagrada sua freguesia. No dia mais quente do ano, Buggin’ Out (Giancarlo Esposito), o ativista local, vai até lá para comer uma fatia de pizza e reclama por não existirem negros na “Parede da Fama”. Este incidente trivial é o ponto de partida para um efeito dominó, que não terminará bem.
3. Infiltrado na Klan:
Seu mais novo sucesso.Em 1978, Ron Stallworth (John David Washington), um policial negro do Colorado, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunicava com os outros membros do grupo através de telefonemas e cartas, quando precisava estar fisicamente presente enviava um outro policial branco no seu lugar. Depois de meses de investigação, Ron se tornou o líder da seita, sendo responsável por sabotar uma série de linchamentos e outros crimes de ódio orquestrados pelos racistas.