Trazendo a obra de Agatha Christie para as telas, vamos ver se o filme “A Noite das Bruxas” fez jus ao misturar o mistério com terror. Aliás, Kenneth Branagh está de volta ao terno engomado, o bigode afiado e a deliciosa astúcia de Hercule Poirot. O ator estrela (e dirige), pela terceira vez, uma aventura do detetive das obras da autora. Por isso, confira nossa visão sobre “A Noite das Bruxas”:
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Um breve contexto:
Baseada no livro de mesmo nome da mestra máxima do suspense, a trama traz Poirot curtindo a vida de aposentado na bela Veneza pós-Segunda Guerra. Mas, como todo castigo para detetive é pouco, a tranquilidade logo é interrompida pela intrépida escritora Ariadne Oliver (Tina Fey), que o convence a embarcar num novo mistério.
Poirot e Oliver frequentam uma sessão espírita num antigo palazzo da bela cidade italiana, no qual espera-se que uma médium (Michelle Yeoh). Ou seja, desmascarada pelo detetive, ou traga conforto à mãe e cuidadores de uma jovem morta no edifício. Tudo, claro, em pleno Halloween. O que nem Poirot esperava é que a reunião causaria mais uma fatalidade no local. Por isso, acaba forçando o investigador a arregaçar as mangas e mais uma vez pentear o bigode em busca de um assassino.
Misturando terror com investigação:
Se a premissa parece mais apropriada a um longa de terror e suspense do que uma história de detetive, é porque, de fato, A Noite das Bruxas não economiza nas investidas no gênero. Da direção, que usa e abusa de ângulos de câmera ora claustrofóbicos, até convenções comuns ao gênero, como os inevitáveis jump scares (os sustos que te fazem pular da cadeira e amaldiçoar a quinta geração do cineasta) e mais. Na verdade, o filme representa um bem-vindo exercício ao cineasta.
Por si só, esta embalagem pode transmitir a impressão de que, neste filme, a forma é mais importante do que o conteúdo, se não fosse por um detalhe redentor: o carisma inegável de Kenneth Branagh na pele do detetive. Algo que permite ao espectador a boa vontade de embarcar numa nova aventura sem queimar muitos neurônios. O astro encarna Poirot com o respeito e admiração merecidos, mas também uma dose saudável de cinismo.
E o elenco de “A Noite das Bruxas”?
Assim como em Assassinato no Expresso do Oriente (2017) e Morte no Nilo (2022), o ator e diretor é acompanhado por um time de estrelas. Embora levemente distante dos medalhões que já passaram pela franquia, para o bem e para o mal. Sempre competente, Tina Fey diverte como a cética Ariadne Oliver, braço direito de Poirot no novo mistério.
Com a bola altíssima em Hollywood, Michelle Yeoh deixa a própria marca no filme, ainda que de forma tímida. Já os coadjuvantes, incluindo Jamie Dornan, Kelly Reilly, Kyle Allen e mais, pouco se destacam além de serem instrumentos para quando o detetive precisa ou não de suspeitos ou pistas falsas.
Um enredo que envolve, mas não é perfeito:
De fato, este não é um longa que tenta reinventar a roda, mas sim entregar um mistério interessante e que prende a atenção do espectador por toda a sua duração. Ele não é particularmente um deleite aos olhos, não apresenta algum truque visual que o destaque, sendo bastante comum nesse aspecto. Não que isso seja ruim, mas boa parte do que segura o espectador é como a trama se desenvolve e os diálogos entre os personagens, algo que faz sentido em um filme desse gênero.
Mas, aqui, ironicamente, a sensação é que a escala menor do longa em relação aos anteriores permitiu um holofote ainda maior para o próprio Poirot, cujo domínio de cena, ao menos, compensa os deslizes de trama. Um olhar mais cético poderia achar que é uma certa viagem egocêntrica de Kenneth Branagh enquanto diretor e ator principal da trama. Mas não se pode contestar que Poirot é, não só o maior destaque de toda a narrativa, como o crime em questão torna-se mais interessante ao desafiar a fria racionalidade do investigador, do que como fato importante nas vidas dos demais personagens.
Vale a pena assistir “A Noite das Bruxas”?
No fim das contas, “A Noite das Bruxas” honra o imortal legado de Agatha Christie com um suspense divertido, que sabe das próprias ambições e limitações. Mas, nem por isso não se permite pequenos riscos. Onde estiver, a dama do mistério pode ficar aliviada, pois o bigode de Poirot segue em ótimas mãos. Além disso, a obra diverte e consegue ser bem honesto, que vale a pena ser assistido.